segunda-feira, agosto 04, 2008

Vão lá assobiar para vossa casa e deixem o estádio para os sportinguistas a sério!

[publicado originalmente no Facciosos]

Não estive ontem em Alvalade, pois calhou-me estar no Porto para o casamento de um grande e querido amigo. Li e ouvi, no entanto, que o João Moutinho foi assobiado. Não estou em condições físicas nem intelectuais para grandes efusões retóricas, poupo-vos a isso. Queria apesar disso deixar aqui os meus 5 tostões sobre o assunto.

Não se bate na mãe. É feio. Muito feio. Nem para fundar um reino. Nunca. Nem quando nos remói o juízo ruminando olhaquestàfrios cansados ou a resmungar andazacomertãomales em aflições fora de tempo. Não. Nem quando nos bate à porta de casa às 8 da manhã a desfiar erasòparassabersetinhaschegadobens quando nos deitámos meia hora antes depois de uma noite daquelas que não se podem contar às mães. Nunca. Nem quando nos lança olhos de mater dolorosa e de palmas voltadas ao céu nos implora lhe demos um neto nem que seja recorrendo a barriga de aluguer. Não. Nem quando nos ensina os sobrinhos a gritar vivòbenficas ainda antes de atingirem a idade da razão (et pour cause). Nem assim. Não. Nunca. Não se bate na mãe.

Por isso não consigo entender, por mais que retorça as meninges, o que leva alguém a assobiar, apupar, vaiar, ofender a sua equipa. Por isso não consigo compreender o que leva alguém a assobiar, apupar, vaiar, ofender os jogadores da sua equipa, mesmo sendo eles incapacitados para a prática desportiva. A mim nunca ninguém me ouviu assobiar, apupar, vaiar ou ofender em Alvalade o Purovic, o Silva, o Alessandro, o Deivide, o Hugo, o Bueno, o Luís Filipe e outros do mesmo jaez. No máximo ter-me-ão ouvido uns foda-se ou uns estegajo rosnados entre dentes e acompanhados de cerrar de punhos e olhos postos na cobertura do estádio - não no céu, porque eu não acredito em deuses, nem celestes nem ctónicos.

Esta fraqueza inofensiva permite-me, pois, ter alguma tolerância para com quem se levanta e urra impropérios quando o Purovic tropeça em si mesmo e rebola na relva, ou quando o Silva, na área adversária, aliviava bolas lançadas pelo ataque do Sporting, ou quando o Hugo fazia assistências para avançados adversários ou concretizava belos auto-golos. Eu nem assim consigo ir além do supra dito foda-se silencioso.

Porque não adianta. Porque nunca vi ninguém melhorar o seu desempenho depois de lhe ofenderem a mãe ou lhe diminuirem a virilidade ou lhe difamarem a orientação sexual. E sobretudo porque nunca vi uma equipa melhorar o seu desempenho depois de vaiada por uma assobiadela dos seus próprios adeptos. Ainda que a minha formação na área da psicologia seja rudimentar, uma das coisas básicas que aprendi foi que usar reforço negativo para melhorar o desempenho, seja em que área for, é assim um bocadinho como tentar matar a sede com cubos de sal. A mim parece-me óbvio, claro como a água, mas como achava os seminários de Psicologia Educacional uma xaropada das antigas, admito que tenha adormecido em momentos importantes, e que o meu raciocínio esteja inquinado por isso.

Admito, todavia, ainda que não o faça, que se assobiem jogadores adversários, com a intenção de os enervar. O que nos leva a outra questão - se alguns adeptos assobiam com a mesma veemência adversários e atletas do seu clube, das duas uma: ou querem enervar ambos, e portanto não se percebe porque raio assobiam os "seus" jogadores, ou querem incentivar ambos, num retorcidíssimo exercícios psicológico, e então fico sem saber o que os leva a assobiarem o adversário. A não ser que pretendam com o mesmo assobio incentivar o seu atleta e enervar o adversário, o que é assim como se eu tomasse veneno dos ratos para curar a tosse ao mesmo tempo que o espalhava para matar os ditos. Enfim. Admito que sou um pouco limitado de raciocínio, e que me escapam estas subtilezas.

Admito e aplaudo, porém, que se assobiem jogadores adversários que tenham passado pelo Sporting e que tenham de alguma forma ofendido o clube por actos ou palavras. Não é comum em Alvalade, que, pelo contrário, tem por hábito aplaudir jogadores adversários que tenham passado por Alvalade, mesmo jogadores pouco relevantes. Quem vai a Alvalade sabe que é normal antigos jogadores do Sporting serem aplaudidos, às vezes com entusiasmo, quando são substituídos ou quando entram. Só quem não percebe o que é fair-play pode estranhar. Assobiados e vaiados assim de repente só me lembro do Simão "Devo tudo ao meu Sporting" e do Quaresma.

Assobiar e apupar jogadores que sairam do clube *e* cuspiram no prato onde comeram, cujo exemplo mais acabado é o do Simão, não me parece mal.

Assobiar e apupar jogadores que sairam do clube porque lhes ofereceram melhores condições noutro lado mas que continuam a respeitar o antigo clube - seja ele qual for - parecer-me-ia inqualificável, se não fosse pueril, estúpido e digno de um troglodita. Assobiar e apupar jogadores que não sairam do clube, que não ofenderam em nada o clube, que se dedicaram sempre de corpo e alma ao clube, que se tornaram símbolos do clube - apenas porque disseram que pretendiam sair, presumivelmente para melhorar a situação financeira e profissional, a mim parece-me, bom, não sei, é difícil encontrar palavras. Pueril não chega. Estúpido é pouco. Troglodita é eufemístico. Inqualificável talvez seja a melhor palavra.

O João Moutinho fez bem em vir para os "média" (*) dizer que queria sair? Não. Prejudicou-se a si mesmo, fragilizando quer a sua imagem, quer a sua posição no balenário e na equipa, quer a sua posição negocial. Fez bem em dizê-lo na véspera de um jogo? Não. Pode ter desestabilizado o balneário (que ainda assim chegou para arrumar tranquilamente o adversário megalo-milionário). Deve sair de um clube que joga para o título e vai na terceira presença consecutiva fase de grupos da Liga dos Campeões, em favor de um clube pouco relevante da liga inglesa? Não, mas é problema dele, além de uma inacreditável burrice estratégica.

Mas, e citando de cor um artigo d'A Bola que folheei enquanto arrotava a regalada morcela de arroz (**) do baptizado dos meus sobrinhos (***), que tão grandes amargos de boca me vai trazer quando vir a balança a vergar mais do que deve para o lado direito, eu pergunto: o rapaz em algum momento disse que não gostava de estar no Sporting? Disse em algum momento que não se ia dedicar como sempre se dedicou, caso, como tudo indica, não se fosse embora? Demonstrou, em algum momento, falta de respeito pelo clube ou pelos seus adeptos (e não, dizer que quer sair não é falta de respeito, se do outro lado lhe oferecem melhores condições)?

Não, não, e não. Nunca disse que não gostava de estar no Sporting. Nunca disse que caso ficasse não se ia dedicar como sempre. Nunca, em momento algum, faltou ao respeito ao clube ou aos adeptos. Disse apenas que, por motivos pessoais que entretanto se tornaram públicos e que, frisou, nada tinham que ver com o clube, precisava de sair. E estes mesmos adeptos que receberam de vendidos braços abertos o Jardel depois de este ter desrespeitado de todas as formas possíveis o clube agora assobiam e apupam um miúdo que, recordemos, não só nunca desrespeitou o clube, como o tem honrado e servido com uma dedicação e profissionalismo raros de achar no futebol actual, a ponto de ser respeitado e elogiado até pelos tradicionais rivais do Sporting. Apesar disso, assobiaram-no e apuparam-no, como assobiaram e apuparam (com justiça) em outras ocasiões o Simão.

Dir-me-ão que a reacção dos adeptos - adeptos? Não, adeptos não assobiam os seus melhores jogadores - dir-me-ão que a reacção de alguns dos presentes ontem em Alvalade se deveu precisamente ao sentimento de desilusão perante a surpreendente intenção revelada pelo Moutinho. Ora bolas, então agora apupa-se, assobia-se e ofende-se quem, sem nos ofender nem desrespeitar, nos desilude de alguma forma? Imagine-se que, depois de verificar a excelência latina do nosso amigo aquilino desde as primeiras aulas, eu tinha reagido da mesma forma que estes senhores ao saber que o meu dilecto aluno era lampião. Tolerar-se-ia que eu tivesse saltado de trás da secretária e tivesse começado a assobiar e a urrar bu bu bu? Que de cada vez que o nosso Aquila entrasse na sala eu lhe lançasse os papéis e os livros à cabeça? Berrava e urrava e grunhia sempre que ele abrisse a boca? Que faria eu então se fosse como esses senhores e se ele me tivesse vindo dizer que o meu horário não lhe dava jeito e que por motivos pessoais tinha de ir latinar para outra freguesia? Esfregava-lhe o apagador na cara?

Não, dirão, seria louco se o fizesse. Mas foi precisamente isso que aqueles senhores fizeram. Acharam feio que o rapaz , sem em momento nenhum ter faltado ao respeito ao clube ou aos adeptos, tivesse dito que precisava de sair? Admitamos que sim. E o que eles fizeram, foi bonito? Não menos do que se eu tivesse assobiado, berrado, urrado e grunhido se o meu caríssimo Aquila tivesse vindo ter comigo no fim de uma aula e me tivesse dito que ia mudar de turma por motivos que nada tinham que ver comigo.

E eu só posso supor uma coisa: que não eram adeptos sportinguistas. Que eram lampiões inflitrados. Porque só a adeptos adversários passaria pela cabeça assobiar, apupar e ofender um dos melhores jogadores da equipa - se não o melhor - apenas porque o rapaz disse, sem ofender nem enxovalhar nem faltar ao respeito a nada nem a ninguém, que, por motivos pessoais alheios ao Sporting, tinha de sair do clube e melhor assim a sua situação profissional.

É que bater na mãe é feio. Sempre. Mesmo quando nos desilude ou aborrece. E ao nosso clube e aos seus jogadores, quando o honram e respeitam, devemos respeito e honra. Não como devemos à nossa mãe, mas como devemos a tudo o que amamos. E aqueles senhores claramente não amam o Sporting.

Vou dormir que o meu mal é sono.


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(*) É latim, não é inglês, deve-se pronunciar com "é".
(**) Alusão inevitável à boa comida.
(***) Sim, casamento ontem no Porto e baptizado hoje, aqui na moirama.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não compliques.
Se ele quer sair que vá.
O erro está na forma, não no conteudo.