sábado, junho 21, 2008

Escolhidos a dedo

Eu bem tento portar-me como um homenzinho, até consegui aguentar-me sem grandes mariquices desde que abri o blogue, mas esta selecção da Holanda parece ter sido feita a dedo. Este Heitinga, por exemplo, devia ser obrigado a jogar de burca. Como é que alguém se pode concentrar no jogo com este rapaz em campo?

O mito, ou a passagem de Scolari pela FPF



(...) Não tenho muito jeito para dizer bem, é a dizer mal que me vou safando, vergastando com técnicas retóricas aprendidas ora obrigado e com grande maçada em seminários obrigatórios, ora voluntariamente e com prazer, lendo Cícero e Platão e outros (fica sempre bem uma tirada pedante a abrir). Ora eu não sei se o sr. Scolari e/ou os seus satélites bigodudos tiveram formação na área, mas de uma coisa estou certo: conseguiram criar um mito que será difícil destruir, e que minará o trabalho de qualquer seleccionador que lhe vier a suceder - o mito de que há um futebol português antes de Scolari e um futebol português depois de Scolari. E isto, dizia, minará o trabalho de qualquer seleccionador que lhe vier a suceder. Independentemente da nacionalidade - e isso da nacionalidade para mim tem tanto valor como o futebol (?) do Purovic.

Não sei de onde terá partido, mas há uma tremenda máquina de propaganda, possivelmente até expontânea, à volta do trabalho do sr. Scolari na selecção portuguesa. Centra-se em 5 falácias, a saber:
  1. Scolari levou a selecção até onde ela nunca tinha chegado;
  2. Scolari uniu os portugueses em torno da selecção;
  3. Antes de Scolari andávamos sempre de calculadora na mão e raramente chegávamos a fases finais;
  4. Scolari acabou com os grupinhos e as influências externas na selecção;
  5. Antes de Scolari jogava-se bem, nunca se ganhou nada.

A primeira falácia é a única que tem alguma (pouca) base. É certo que levou a selecção a uma final, coisa que nunca tinha acontecido. No entanto, isso só seria extraordinário se por um lado nunca se tivesse estado sequer perto disso, ou, por outro lado, se nos abstraíssemos do contexto em que tal ocorreu. Qualquer pessoa minimamente atenta à evolução do futebol português percebe que chegar a uma final era uma questão de tempo. O bom trabalho desenvolvido a partir dos anos 80 é a razão principal, se não única, dos sucessos futebolísticos dos anos 90 e desta primeira década do século XXI. Para quem tem memória curta, eu relembro o Euro'96, onde a selecção, então (des)treinada pelo Oliveirinha, encantou a Europa, venceu o seu grupo, e só foi travada nos qurtos (tal como agora) pelo famoso chapéu do Poborsky, que haveria de jogar a final, depois de eliminar a futura campeã mundial França, e perdê-la só no prolongamento. Houve o parênteses do Mundial'98, qualificação perdida em circunstâncias inglórias. Mas seria a última a ser perdida. Em 2000 a selecção voltou a encantar a Europa, despachando na frase de grupos a Inglaterra (que já é freguesa desde 1966, última vez que nos ganhou oficialmente), a Roménia, que era então uma das mais fortes selecções da Europa e que até tinha ficado à nossa frente na qualificação, e a Alemanha, campeã em título, e que foi despachada por 3-0 pelos suplentes portugueses. Primeiro lugar no grupo, tal como em 1996, 2004 e 2008, com a diferença de ter sido no grupo mais forte de sempre, e com 3 vitórias em 3 jogos. Para abreviar razões, todos nos lembramos da eliminação já nos últimos minutos do prolongamento da meia-final, perante a campeã mundial em título, e que se sagraria dias depois campeã europeia. Depois veio a vergonha do Mundial'02, o tal que correu mal para todas as selecções europeias menos a alemã, e que teve como 3º a Turquia e 4º a Coreia. Apesar disso, a fase de qualificação foi excelente, num grupo em que estava a Holanda (outro freguês habitual).

Chegou então o consulado do sr. Scolari, que arrastou a selecção durante 2 anos de vergonha em vergonha, com derrotas sucessivas, algumas copiosas, caindo aos trambolhões no ranking da FIFA. Por várias vezes a demissão esteve no horizonte. As convocatórias desses tempos entraram no anedotário desportivo nacional. Casmurro, foi preciso perder o jogo de abertura perante uma Grécia deprimente para mudar tudo, e deitar fora (demasiado tarde) 2 anos de trabalho. Arrastou-se penosamente até aos quartos, que era o mínimo que se pedia com um grupo daqueles (a primeira vez em que Portugal não tinha a campeã em título), sofrendo até aos últimos segundos do último jogo. A jogar em casa e num grupo com a Grécia e aquela Rússia, convenhamos que é obra. A eliminação da Inglaterra, com a ajuda preciosa do árbitro, foi dramática, conseguida nos penáltis. Veio a Holanda, selecção que nunca se deu bem com o nosso futebol, e por fim a final com a inacreditável Grécia, que tinha passado aos quartos miraculosamente e com uma única vitória. Há quem justifique o injustificável dizendo que a Grécia eliminou os checos e os franceses. É certo. Com uma vaca leiteira daquelas gordas e afanadas. Mas é certo. Os franceses, numa crise indisfarçável que já vinha desde o Mundial'02 e só ficou disfarçada por uma boa ponta final no Mundial'06, foram apanhados de surpresa, e terão sido vítimas da sua sobranceria. Subestimaram uma selecção sem história no futebol internacional, e que tinha passado por milagre ortodoxo depois de ganhar a Portugal, empatar com a Espanha e perder com a Rússia. Os checos viram a forma como os franceses foram eliminados, mas pareceram não ter aprendido a lição. Finalmente, a final. O sr. Scolari, ao contrário dos checos e dos franceses, não podia ser apanhado de surpresa. Já conhecia os gregos. Já tinha jogado contra eles duas vezes, tendo empatado uma e perdido outra, semanas antes, sempre em casa. Mas quê, isso de aprender e mudar é para os outros. Cometeu a proeza - e eu não lhe retiro esse mérito, o seu a seu dono - de ter perdido uma final em casa, perante um ambiente extraordinário, diante de um grupo de bons rapazes que nunca tinham feito nada de jeito antes nem voltaram a fazer depois, e que tinham chegado à final assim como que aos trambolhões. É obra. Pior que isto só o Peseiro a perder a UEFA em casa. Mas esse ao menos tinha uma equipa a sério como adversária.

Depois veio a qualificação para o Mundial'06, e cenas inacreditáveis, como o empate contra o Lichtenstein ("é normal", disse ele depois do jogo). Qualificação mais ou menos tranquila, no grupo mais fácil de que há memória, onde só a tímida Eslováquia ainda apresentava algum risco. No entanto, não fez melhor do que o inenarrável Oliveirinha, na qualificação pra '02, num grupo que tinha a Holanda. Conseguiu até fazer pior em termos de golos marcados e sofridos. Apesar de ter o Lichtenstein no grupo. O Mundial'06 não correu mal, é verdade. Chegar às meias foi muito bom, é certo. Nem tudo foi mau, com o sr. Scolari. Mas descontextualizar isso da evolução do futebol português desde os anos 80 é chegueira ou desonestidade intelectual. Apesar de tudo, há algumas interrogações que volto a fazer: com um grupo daqueles (Angola, Irão, México), não era a obrigação mínima passar aos quartos? Perante o último assomo de uma França decadente, e depois de eliminar os fregueses habituais, não seria de pedir um pouco mais? Talvez as coisas tivessem corrido de forma diferente se não tivessem ficado em casa jogadores como o Quaresma, e não tivessem sido convocados os amigos do costume, alguns deles a recuperar de lesões, outros que não jogavam há meses, outros até sem clube na altura da convocatória. Mas tiro-lhe o chapéu. Fez um Mundial'06 bom.

Por fim, a sofrida qualificação para o Euro'08, num grupo que, sem ser ridiculamente fácil (como o do Mundial'06), era acessível. Apesar de tudo, não conseguiu melhor do que um 2º lugar garantido já na ponta final. Quanto à fase final, não vou falar, porque por circunstâncias diversas só consegui ver (e mal) o jogo contra a Turquia. Haverá quem comente muito melhor do que eu.


A segunda falácia diz que o sr. Scolari uniu os portugueses em torno da selecção. Francamente eu não sabia que tinham alguma vez deixado de estar. O que ele de facto conseguiu, a meias com o Marcelo, foi pôr os portugueses a pendurarem bandeiras made in China nas janelas e nos carros. Muito graças ao facto de ter jogado o Euro'04 em casa, com os óbvios efeitos que a proximidade física traz. Conseguiu, porém, uma proeza a que poucos têm dado o devido valor: mostrar que os portugueses nem os seus símbolos nacionais conhecem convenientemente, como se viu pela incrível quantidade de bandeiras de pernas para o ar que se viam. Mas convenhamos, pôr bandeiras à janela não revela união nem, muito menos, patriotismo. Quando muito revela mau gosto.


A terceira falácia diz que se deixou de andar de calculadora na mão, e que dantes raramente se chegava a fases finais. Falso. Andou toda a gente de calculadora numa mão e o coração na outra, em 2004, até ao último segundo do último jogo da fase de grupos. A coisa só se resolveu já nos últimos jogos, nas qualificações de 2006 e 2008, em grupos facílimos. Raramente chegávamos às fases finais? Falso. Desde que o trabalho ao nível da formação começou a dar frutos, com a chegada da "geração de ouro" à selecção principal, no início dos anos 90, só se falhou uma fase final, a do Mundial'98. De resto, estivemos em todas: Euro'96, Euro'00, Mundial'02, Euro'04, Mundial'06, Euro'08. Só os dois últimos se conseguiram graças a ele - ou apesar dele. E tirando o Mundial'02, em todos se fez boa figura, em particular no Euro'00, sem dúvida a melhor prestação portuguesa de sempre em grandes provas, aliando um excelente futebol com resultados, e frente a selecções de primeiríssima linha (com a excepção da Turquia, outro freguês usual).

A quarta falácia alega que o sr. Scolari acabou com os grupinhos e as influências. Tendo em conta que as convocatórias dele raramente constituiram surpresa, uma vez que basicamente convocava sempre os mesmos, independentemente do momento de forma, que deixava de convocar outros por razões extra-futebolísticas, que assumia o seu grupinho intocável, parece-me que só com grande sentido de humor se pode afirmar que ele acabou com os grupinhos. Sim, acabou com os grupinhos que havia antes. Mas criou outros, os dele, à pala dos quais jogadores que em outras circunstâncias nunca seriam convocados tinham livre-trânsito em todas as convocatórias. Não é que isso seja sempre negativo. Quem anda de dieta, como eu, e viu o Miguel rebolar os pneus e os refegos pescoçais no jogo contra a Suíça, fica sempre consolado - afinal é possível ter-se uns quilos a mais e continuar a jogar numa selecção nacional. Também não deixa de ser um excelente momento de humor, vindo de um seleccionador que em tempos se manifestou tão preocupado com o rabo dos seus jogadores, ameaçando não convocar os que o tivessem demasiado grande. Qual seria a bitola? Maior que o do Miguel já não dava?

A quinta falácia, finalmente, reza que antes do sr. Scolari nunca se ganhou nada, apesar de se jogar bem. Bom, e com ele, ganhou-se alguma coisa?


(...) Queria acabar a dizer bem, mas é difícil, não é coisa que me esteja no sangue. Ontem ainda pensei em ver o jogo. Mas para isso teria de faltar à minha aula de Árabe, que começava antes e acabava durante. Se fosse um jogo importante do Sporting, mandava logo o Árabe às malvas. Mas entre os muitos encantos da língua dos desertos das arábias e o naufrágio previsível de uma selecção à deriva em que o patrão já está com a a cabeça noutro lado e os jogadores parecem mais preocupados com futuros contratos do que com o momento presente, não tive dúvidas na escolha, الحمد لله , que é como quem diz, em língua cristã, Deo gratias.

Texto publicado, com pequenas alterações, no FACCIOSOS

Viyana Kuşatması

Confesso: ainda que tenha jogadores feios que nem uma noite de trovões (os close-up durante o hino, no jogo contra Portugal, eram dignos de um filme do Carpenter), a Turquia é a minha selecção preferida neste Europeu, por mais que me esforce a torcer pelos holandeses, selecção de colheita muito superior. Por isso vibrei com a épica reviravolta no jogo contra os checos, enquanto a selecção portuguesa enfardava uns deprimentes 0-2 da inofensiva Suíça. E por isso me entusiasmei com a vitória de ontem frente aos croatas. Embora não me pareça que venhamos a ter grandes surpresas, pois duvido que consigam fazer a gracinha a alemães ou a holandeses ou a italianos ou a espanhóis, este Europeu já valeu a pena para o Fatih e sus muchachos. E se chegarem a Viena, como vociferava na TV um adepto eufórico após o jogo com os checos, até pode ser que a História sofra uma daquelas ironias tão divertidas com que por vezes nos presenteia, e 500 anos depois os turcos consigam levar a bom termo a investida. Eu cá ficaria muito contente.

Imagem: gravura otomana contemporânea do Cerco de Viena.

quinta-feira, junho 19, 2008

Dualidades

Muita gente se indignou com o facto de ter sido escolhido um árbitro austríaco para o Portugal x Suíça, argumentando por um lado que o árbitro seria parte interessada devido às hipóteses (fraquíssimas) de a Áustria se qualificar e ser adversária de Portugal; por outro com o facto de ser de um dos países organizadores, e de assim ser tentado a fazer um favorzinho ao outro organizador, a Suíça. Isto num jogo que não decidia nada, e em que na verdade não aconteceu nada que condicionasse o próximo jogo português.

Não vejo, no entanto, ninguém indignar-se por o Alemanha x Áustria, esse sim um jogo que decidia tudo e de onde quase de certeza sairia o adversário de Portugal nos quartos (as hipóteses da Polónia, no outro jogo, eram meramente académicas), ter tido como quarto árbitro um português - portanto, alguém com interesse muito claro e evidente no resultado final e em eventuais consequências disciplinares. Alguém que até achou por bem mandar expulsar, muito convenientemente, os treinadores de ambas as selecções (das duas, sim, não fosse o diabo tecê-las), sabendo que assim Portugal defrontaria uma selecção com treinador na bancada.

terça-feira, junho 17, 2008

İkinci Viyana Kuşatması

[Józef Brandt - A batalha de Viena]

Na sequência da sensacional vitória turca sobre os checos, o jogo que mais me alegrou neste europeu, um adepto turco eufórico gritava "agora vamos até Viena". Não deixaria de ser uma divertida ironia da História.

quinta-feira, junho 12, 2008

Adeus ó vai-te embora



Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen

segunda-feira, junho 09, 2008

Portugal es Moutinho


«A sus 21 años, Moutinho es el 10 del Sporting, el club al que le llevaron desde el Algarve su madre, jugadora de baloncesto y su padre, ex futbolista de las categorías inferiores del Benfica. No hay ningún club en Portugal que cuide mejor a la cantera que el Sporting, y aunque sólo se le reconoce su capacidad para fabricar extremos (Ronaldo, Figo, Quaresma, Simão), también genera medios como Moutinho.»


Mais aqui.


segunda-feira, junho 02, 2008

Não se admite

Se há coisa que detesto é quando, após uma derrota do Sporting, há um daqueles lampiões chatos (redundância, eu sei) ou algum morcão que me liga a regougar ironias e arremedos de provocação. Por isso ontem caiu-me muito mal, mas mesmo muito mal, o jantar que me estava a saber tão bem, quando recebi o telefonema do meu morcão de estimação a comunicar, com indisfarçável gáudio, a contratação do Postiga pelo Sporting.