sexta-feira, agosto 03, 2007

Revelaquê?

Eu não sou propriamente um génio linguístico, nem sei muitas línguas, só 8, o que é pouco para a minha idade. É certo que, além do Português que falo há três décadas, desenrasco-me no Inglês, que aprendi durante 8 anos, no Francês, que aprendi outros tantos anos, no Espanhol, que aprendi 1 ano e treino ao ler histericamente Borges, Casares, Cortázar, Cervantes e outros que tais, no Latim, que estudo há mais de 20 anos, no Grego clássico, que aprendi durante 6 anos, no Grego moderno, de que tenho noções vagas, no Esperanto, que tive a desdita de aprender durante alguns meses (a sério, não há pachorra), e no Árabe, que ando a aprender entusiasmado há quase 1 ano. É verdade, não é muito, e o meu objectivo é aprender pelo menos o dobro, nos próximos anos. Para o ano, além de aperfeiçoar o árabe, انشاء الله , quero aprender russo. Se assim for, talvez descubra onde raio foram os responsáveis pelo marketing do Sporting desencantar a "Revelatione" com que baptizaram a apresentação do novo equipamento.

Eu bem espremi as meninges, tentanto descobrir que raio de língua será aquela. Português não é, pacificamente. Espanhol nem pensar. Francês, pas du tout. Inglês, népias. Árabe, lâ (não). Grego clássico, népias. Grego moderno, ochi (não). Latim, non. Esperanto, não senhor. Então? Confesso que a princípio me passou pela cabeça que os senhores tivessem ido a um dicionário, e que tivessem visto que "revelação" vem do radical latino revelatione-. Mas como são profissionais, é evidente que confirmariam isso verificando num dicionário de latim, onde, como está bem de ver, não encontrariam revelatione nem a fazer o pino. É que "revelação" em latim dizia-se reuelatio.

Então porque raio vem no dicionário de português revelatione? Bom, eu acho que qualquer criança de 6 anos sabe, mas eu vou explicar. O latim é uma língua declinada. Isto é: em vez de cada palavra só ter 2 formas, como em português (soldado / soldados: singular / plural), cada palavra pode, em teoria, ter 12 formas diferentes, consoante a função que desempanha na frase. Teoricamente, porque na prática nunca tem mais de 7 ou 8 formas diferentes. Que quer isto dizer? Que se eu quiser dizer "o soldado é fanfarrão", eu digo "miles gloriosus est" (apanharam a piada culta?). Mas se eu quiser dizer "eu vi o soldado", então seria "militem uidi". E se eu quiser dizer "este é o livro do soldado", então ficaria "hic liber militis est". E "eu dei o livro ao soldado é "librum militi dedi". Simples, como vêem, muito mais do que o nosso confuso e ambíguo português. Ora, a cada uma destas formas chama-se "caso", e cada caso (12 no total) tem um nome. Aquele que é mais importante para nós, que é de onde vem o português, é o caso acusativo. No exemplo do soldado, a forma de acusativo é "militem", mas a palavra base é "miles" (caso nominativo). Acontece que, na passagem do latim para o português, o -m final dos acusativos caiu. Por isso dizemos "livro", do acusativo "librum" (nominativo "liber"), com a queda do -m. Portanto, quando os dicionários dizem que, suponhamos, "chão" vem do latim "planu-", estão a dizer, de forma simplificada, que "chão" vem do acusativo latino "planum", com queda do -m final, posterior queda do -n- intervocálico (característica tipicamente galego-portuguesa, como todos sabem) com nasalização compensatória do ditongo resultante, além da evidente passagem de pl- a ch-, que, como é de conhecimento geral, é a solução do pl- latino para o galego-português.

Como isto é de uma evidência cristalina e como todos sabemos que os responsáveis de marketing verificam sempre tudo antes de fazerem sair uma campanha (o macarrónico e hiper-errado "sanum per aqua" das águas Vimeiro foi certamente só para ver se os professores de latim estavam atentos, e o inenarrável "sapore autenticum est" de uma marca de cervejas era obviamente uma brincadeira de mau gosto, ninguém é assim tão ignorante), tem de haver uma explicação lógica e racional para a escolha daquela "revelatione". Resta saber qual. E, já agora, que língua é aquela. Porque, pelo acima exposto, é claro que não é latim. A não ser que fosse um caso ablativo, que de qualquer forma ali não só não se justificaria como estaria errado. Dixi et scripsi.

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